19 de jul. de 2014

A História de Aimée e Jaguar


SINOPSE


Na Berlim sitiada pela Guerra Mundial, surge a inesperada história de amor entre Lilly Wust, a esposa de um militar nazista e Felice Schragenheim, uma judia integrante da resistência alemã. Lilly é a ariana perfeita, que se dedica a um lar decorado com bustos de Hitler e cuida dos quatro filhos enquanto o marido luta no front. A despeito dos amantes ocasionais e das bombas que arruínam a cidade, Lilly cai de amores pela auto-confiante Felice Schragenheim, que lhe envia cartas apaixonadas sob o codinome de ‘Jaguar’. Felice, ousada a ponto de trabalhar sob disfarce em um jornal anti-semita, revela a Lilly sua condição e as duas fazem um pacto de amor e fidelidade, tentando bloquear a realidade da guerra e do cerco que se fecha a seu redor. Para permanecerem juntas, Lilly divorcia-se do marido e Felice abre mão de fugir da Alemanha. ‘Aimée’, como Lilly é tratada por sua amante, e ‘Jaguar’ mergulham na plenitude da paixão, mas a Gestapo parte em seu encalço. O filme é baseado na história verídica relatada por Lilly Wust, aos 80 anos, à escritora Erica Fischer, que a transformou em best-seller no ano de 1994.

O CORAÇÃO TEM RAZÕES...

Enquanto Felice trabalha disfarçada em um jornal nazista, Lilly Wust parece uma boboca alienada, uma dona-de-casa condecorada por ter produzido “quatro crianças arianas” incapaz de defender qualquer causa. Mas é ela quem sofre as maiores mudanças ao longo da história. Ela partiu praticamente do zero, desta condição “nem aí para o mundo”, para experimentar um outro ponto de vista, radicalmente oposto ao seu até então. Mesmo tendo vivido tanto tempo sob a ideologia nazista, Lilly permite esta transformação e permanece ao lado de Felice, mesmo quando esta revela ser judia. Felice, por sua vez, era muito inconstante, tinha várias parceiras e não era exclusiva de nenhuma. Para ela, qualquer contrato de fidelidade eterna equivalia a uma lápide. Mas quando o cerco fecha sobre Berlim, ela abdica de fugir com os amigos e permanece ao lado de Lilly. Com este gesto, Felice praticamente abdica da vida para viver um daqueles momentos que ela mesma classifica como “válidos por uma vida inteira”, ao lado de seu grande amor.

A dramaticidade da decisão de Felice é muito bem aproveitada no filme, em uma cena muito, muito bonita, em que Felice se despede dos amigos judeus que partem da Berlim sitiada e caminha de volta para “Jaguar”, com a música completando de modo perfeito o quadro. Pra mim, uma das mais bonitas dos filmes les...

Os críticos que desaprovaram o filme o consideraram romantizado e melodramático demais, acabando por transformar uma tragédia histórica em uma espécie de novelinha amorosa que, no final das contas, não explica muito bem a opção das duas de permanecerem juntas, mesmo sob o risco de serem pegas pela Gestapo. Por que Felice arrisca a vida, decidindo ficar na Alemanha, mesmo com o cerco fechando, quando poderia fugir em segurança? Por que Lilly permite que isso aconteça, arriscando sua amante em uma Berlim tomada pelo nazismo, ao invés de tentar protegê-la? E as duas passam os dias namorando, como se nada pudesse atingi-las... Será que Shakespeare (“O coração tem razões...”) explica? A julgar pela cena em que as duas ficam juntas pela primeria vez... explica sim, não só o coração como todo corpo também. A cena de sexo é pra lá de intensa e agrada em cheio aos que nutrem expectativas românticas sobre o lance.

A HEROÍNA
 
A grande força do filme, sem dúvida, é a personagem de Felice, representada de modo irresistível por Maria Schrader, com seu comportamento extremamente ousado e sua declarada paixão pelo momento presente, ainda que este inclua bombas explodindo em Berlim.

É interessante a ironia em sua capacidade de esconder dos nazistas sua condição de judia. Trabalhando disfarçada em um jornal, é alvo da admiração do editor-chefe, um anti-semita notório. Com sorrisinhos sutis a cada vez que recebe elogios do chefe, Felice exibe o prazer de mostrar o quão idiotas são os preconceitos racistas. Este mesmo ímpeto de confrontar como pode o racismo, é o que a move inicialmente em direção a Lilly. A namorada de Felice na ocasião, Ilse (Johanna Wokalek, tão linda...) é empregada na casa de Lilly e conta que sua patroa alega reconhecer um judeu “pelo cheiro”. Felice fica imediatamente interessada em confrontar a teoria estúpida de Lilly, a seu jeito, é claro, tentando seduzi-la. Inesperadamente, apaixona-se pela alemã e perde o controle sobre seu próprio truque.

Na cena final do filme – um flashback de uma reunião das principais personagens do filme - Felice reforça a importância de “viver agora”, revelando que, se tivesse de escolher um só momento que durasse a vida inteira, seria aquele, junto aos amigos e a seu grande amor: “Não quero a eternidade. Quero agora. Agora. Agora. Quero um monte de “agora” e mais um pedaço de bolo.” Parecendo ou não uma tonta, Felice foi a heroína nietzschiana da história: sábio é o homem que vive menos no passado e no futuro e é capaz de viver mais no presente, se arrependendo menos, esperando menos e amando um tanto mais.

Apesar de seu final trágico, sem dúvida uma das mais atraentes personagens les. É, eu também me casaria com ela...

A HISTÓRIA REAL

Felice Schragenheim foi presa e morta em um campo de concentração nazista. Lilly Wust tentou, sem sucesso, visitá-la no campo de Theresienstadt. Recebeu as últimas linhas da amada, escritas no campo de concentração de Gross-Rosen, em 1945: "Amo-te muito. Beijos, beijos, beijos de Jaguar." Após a prisão e morte de Felice, viveu sozinha durante os últimos 50 anos e afirmou nunca mais ter se envolvido com ninguém, por considerar Felice insubstituível. Em seus depoimentos para o livro, Lilly revelou: “Apesar de toda a dor da perda, a memória dos tempos com Felice é a mais querida de minha vida. Por isso, não mudaria nada desde o dia em que a conheci. Do meu jeito, continuei com Felice ao meu lado e fui alimentada por seu amor por toda a minha vida.” Após a publicação do aclamado “Aimee e Jaguar” de Erica Fischer, foi procurada para entrevistas e recebeu inúmeras correspondências de apoio, algumas de jovens lésbicas enfrentando velhas dificuldades para se assumir. Para estas, respondia: ‘é a sua vida, vá ao encontro do que você é’. Lilly Wust esteve no Festival Internacional de Berlim em 1999, aos 85 anos.

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