16 de fev. de 2015

Três Encontros- Parte 2



Quarto encontro

A caipirinha tinha me deixado um meio zonza. Não estava acostumada a beber nada alcoólico e aquelas duas doses haviam sido suficientes para deixar minha mente um tanto quanto anestesiada. Precisei me concentrar para conseguir acompanhar o ritmo com o qual eu era puxada para fora daquele pub lotado.
E que puxão! Minha visão turva se preocupava em enxergar o estreito caminho por entre a multidão do pequeno pub, mas entre meus olhos e o chão eu avistava minha mão firmemente agarrada por dedos delicados porém fortes, alongados por unhas compridas e afiadas como garras. Sob o bracelete de pedrinhas negras, sob o pulso, havia a tatuagem de um apanhador de sonhos. A rosácea em seu centro me hipnotizava e sugava toda a minha atenção para si.
- Bem melhor! Aqui ninguém vai ficar nos enchendo.
Ao sentir minha mão liberada daquele aperto dominador e autoritário, despertei do transe. Não sei bem se acordei por me sentir vulnerável novamente ao perder aquele toque acolhedor, ou por ter perdido de vista a imagem mágica desenhada naquela pele macia e clara.
Sorri sem graça por ainda estar confusa com tudo o que estava acontecendo. Mas ela estava tomando conta da situação.
- Vem gata, senta aqui. – A morena poderosa puxou uma cadeira para mim como “um verdadeiro cavalheiro”.
- Obrigada. – Sentei-me para somente então descobrir onde estávamos. Era um pub semelhante ao primeiro, localizado na mesma rua, famosa pelos bares sempre movimentados.
- Nessa correria, nem me apresentei. Prazer, Luciana. Pode me chamar de Lu. – Luciana estendeu a mão para me cumprimentar. Seu aperto era firme, mas diferente do de um homem. Ele mantinha o toque viril, mas com um tom de delicadeza sublime. Senti um arrepio gostoso subindo pelos ombros e minha nuca.
- Eu me chamo Lívia, mas pode me chamar de Liv.
- Que nome meigo! Combina perfeitamente com você.
- Não sei se isso é bom ou ruim. – Sorri pelo elogio.
- Isso é lindo! Mas perigoso. Homens, como o Edu, adoram se aproveitar da vulnerabilidade de uma garota inocente como você. Até eu, que já quebrei a cara tantas vezes, caí na dele. – A morena furiosa cerrou seus punhos sobre a mesa, enquanto desviava seu olhar de ódio para suas memórias mais secretas.
- E eu achando que ele era finalmente o homem certo para mim.
O olhar distante de ódio de Lu voltou-se para as lágrimas que começavam a brotar de meus olhos marejados e logo toda aquela revolta havia se transformado em compaixão.
- Oh, gata. Para com isso. Não quero te ver chorar por um lixo daqueles. – Ela tocou meus olhos, secando minhas lágrimas.
Sem deixar de me tocar, puxou a cadeira para perto da minha e me abraçou. Que abraço quente e gostoso. O conforto de suas palavras, a força de seus braços me envolvendo e a maciez de seus seios me acolhendo fizeram com que toda a tristeza se transformasse. Era uma sensação estranha. Eu me sentia triste e feliz. Era como se eu não quisesse que aquela pequena sensação de depressão fosse embora pois ela me acalmava e me fazia querer estar cada vez mais próxima de Luciana.
Ficamos em silêncio abraçadas e quase adormeci sem nem perceber que ainda estávamos em um bar. Assustei-me com o garçom vindo nos atender.
- Eu gostaria de uma Heineken bem gelada. Quer beber alguma coisa, Liv?
- Não, obrigada. Aquelas caipirinhas foram suficientes por hoje.
- OK! – Luciana, sem insistir, voltou-se ao garçom. – Por gentileza, traga um Red Bull também.
- Não precisa, Lu! – Levantei minha cabeça e senti uma certa irritação por ter sido contrariada.
- Já foi, gata! O garçom já fez o pedido e foi buscar. Você precisa dar uma despertada e curtir essa noite maravilhosa!
- Maravilhosa onde? Acabei de ter uma desilusão amorosa terrível!
- Para de ser tão pessimista. Tudo tem seu lado bom. Olha só! Se não fosse por aquele babaca, você nunca teria tido a honra de conhecer a mulher mais fantástica do mundo.
- Onde? Cadê?
- Olha só!!! Só dei um pouquinho de corda e já veio me tirando, se sentindo toda, toda!
Sorri envergonhada.
- Bem melhor esse sorrisinho bobo do que aquela cara de choro no meio de um bar. Aqui é um lugar para curtir, gata!
- Está certa!
- De agora em diante, vamos fazer um trato: chega de homens escrotos!
- Trato feito!
As bebidas chegaram. Lu levantou a garrafa de cerveja aguardando que eu fizesse o mesmo com meu copo de energético.
- A nós, as gatas mais fantásticas do mundo!
Sorri mais uma vez desconsertada. – A nós.
Eu não estava acreditando no nível de intimidade que Lu e eu estávamos tendo em tão pouco tempo. Uma hora de conversa naquela mesa de bar foi mais intensa e verdadeira do que todas as vezes, não somente naqueles 3 encontros, com que havia conversado com Edu.
Mais tarde, quando os ânimos estavam melhores e nós duas gargalhávamos, o garçom trouxe dois coquetéis bem elaborados, talvez as bebidas mais caras do local.
- Os rapazes daquela mesa enviaram essas bebidas para vocês. O garçom apontou a mesa e se retirou.
Um dos rapazes do grupo sorriu e piscou maliciosamente para Luciana. Os demais riam da situação enquanto se mostravam confiantes de que nós duas fôssemos nos impressionar com suas roupas caras e a bebida chamativa presenteada.
Fiquei impressionada quando Luciana naturalmente olhou para mim com um olhar tão malicioso quanto o do rapaz confiante e me deu mais uma de suas lições.
- Gata, tá na hora de você crescer. Ser forte e mostrar que não depende de um playboyzinho metido para pagar suas bebidas.
- Devo devolver a bebida para eles?
- Claro que não! Tá louca? Isso dá a entender que você está se oferecendo para eles. Vão achar que tá fazendo charme e quer atenção. Aí que não vão parar de pegar no seu pé.
- Então, o que faço?
- O mesmo que eu. Observa.
Fiquei observando atentamente para a morena misteriosa, que simplesmente continuou conversando comigo de forma natural até que, enquanto seus olhos encaravam os meus com um sorriso largo em seus lábios, sua mão parecia ter vida própria até que, cinicamente, Luciana segurou o copo da bebida extravagante e o despejou no vaso que enfeitava a mesa.
Eu ria da cara de pau de Luciana, que continuou conversando comigo como se nada de mais estivesse acontecendo. De relance, pude ver as feições dos rapazes que tentavam nos impressionar mudarem, enquanto os amigos riam deles.
- Você é doida!
- Às vezes, precisamos pirar um pouco para impor respeito.
- Tá bom! E o que eu faço com essa bebida que recebi.
- Sei lá! Seja autêntica!
- Ai! Não consigo!
- Então, faça exatamente o que eu mandar.
- OK!
- Segure o copo.
Segurei.
- Vire-o em direção à mesa dos rapazes.
Virei em direção deles. Meu coração estava disparado e eu estava morrendo de medo de ver a reação deles.
- Agora vire de uma vez no chão.
- Como?!
- Anda! Anda! Anda! Vira antes que o garçom veja!
- Ai meu Deus! – Virei toda a bebida que formou uma poça no pé de nossa mesa. – E agora?
- Agora pega suas coisas e corre comigo!
Não tive tempo de raciocinar. Quando Luciana havia terminado a última frase, já estava de pé com sua bolsa e a comanda na mão, virando-se de costas para mim e se dirigindo ao caixa para pagar as bebidas que havíamos consumido.
Levantei-me às pressas e logo vi que um dos rapazes enfurecidos estava se levantando para vir em nossa direção. Quando corri para me proteger sob a imponência de Luciana, a morena fez uma expressão de choro quase como a minha, mas seu olhar expressava profundo desespero.
Não estava entendendo nada do que estava acontecendo. Quando notei que Luciana, com aquele olhar desolado e desesperado, agarrou no braço de um garçom em meio à bagunça do bar movimentado e do barulho da música que tocava e começou a chorar.
- Por favor! Aqueles homens querem nos machucar! Eles enviaram aquelas bebidas e começaram a nos ameaçar, caso não saíssemos com eles. Minha amiga ficou tão nervosa que derrubou todo o coquetel no chão quando tentava devolver a bebida para os homens agressivos.
A atuação da morena dissimulada foi tão convincente que o garçom olhou enfurecido para o grupo de “arruaceiros”. Sua ira se elevou ao ver a bebida espalhada e o playboyzinho caminhando em direção às duas garotas indefesas.
- Fique calma, vou conversar com eles.
Luciana, com seu rosto baixo e vulnerável apenas balançou a cabeça de forma agradecida à proteção daquele homem másculo e corajoso.
Eu estava imóvel olhando para Luciana, incrédula com todo o teatro criado por aquela doida varrida.
- Vem, gata!
Mais uma vez, sua mão estendida atraía a minha, tão ingênua, para seu agarre arrebatador. A morena me segurou e me levou até o caixa.
Eu estava aflita e tudo o que via era o garçom com os braços abertos, tentando acalmar a fúria do bando que havia ganhado a fama de valentões agressivos sem nada terem, de fato, feito. Ao mesmo tempo, Luciana aguardava pacientemente na fila para pagar sua conta e sairmos dali.
- Não consigo achar meu isqueiro. – A morena cínica revirava sua bolsa com um cigarro entre os dedos como se nada de mais estivesse acontecendo. Aquela tranquilidade enquanto o grupo tentava se desvencilhar do garçom protetor para tirar satisfações conosco estava me deixando ainda mais nervosa.
- Você está louca?!
Meu berro, um pouco abafado pela música alta que tocava no local, fez Luciana parar sua busca pelo isqueiro perdido. Com o cigarro apagado na boca, a morena manteve seu olhar calmo e desentendido.
- Por que?
- “Por que?” Você acabou de irritar um grupo de bad boys que está louco para vir para cima da gente e você fica aí, toda tranquilona com esse cigarro pendurado na boca?
O cigarro branco estava todo marcado com o vermelho intenso do batom de Luciana. A morena riu.
- Relaxa, gata! O que aqueles babacas vão fazer? Bater na gente? Aqui, na frente de todo mundo? No máximo, vão querer um pouco de bate-boca, a gente faz carinha de choro e outros valentões vão aparecer para nos salvar. Hello!!! Você tem que aprender a se aproveitar mais e deixar de ser aproveitada.
Enquanto Luciana se virava para pagar a conta do bar, a última frase dita por ela ressoava em minha mente. “Você tem que aprender a se aproveitar mais e deixar de ser aproveitada.” Como minha vida foi sempre assim e eu nunca percebi! Toda aquela historinha de que o príncipe encantado era aquele que protegia a donzela indefesa tinha sempre um preço a ser pago.
Os “protetores” que tive em minha vida nada mais foram do que moleques de minha escola tentando me levar pra cama. Quando, finalmente confio em um deles, como o Edu, simplesmente sou sexualmente usada e, logo em seguida, toda aquela proteção desaparece.
E a pata aqui pensando: “não! Com o próximo vai ser diferente! Vou ter certeza de que ele me ama de verdade e que nunca me abandonará.” Adivinha só, Liv tonta! O Edu fez isso com a Lu, uma mulher forte e mais experiente. Imagina só o que ele não faria com você! Acorda!!!
Enquanto eu dava um sermão mental para mim mesmo, não ouvi nenhuma palavra da Lu. Somente senti meus dedos serem novamente envolvidos por aquele aperto firme e macio para me puxar para fora dali. Tudo estava acontecendo tão rapidamente que, quando menos esperava, estávamos as duas entrando em um taxi.
- Para onde, meninas? – O taxista, um senhor de idade muito tranquilo, preparava o taxímetro.
- Por hoje já deu, né gata? Muita emoção para essa noite. Vou te deixar em sua casa. Qual o seu endereço? – Luciana guardava o cigarro com o filtro avermelhado que havia até desistido de acender.
- Rua da Independência, número 14.
O taxista digitou o endereço no GPS e seguiu a viagem de cerca de meia hora. Curiosamente, Lu, que gostava de falar tanto, estava calada, olhando as ruas pela janela do carro com seus pensamentos distantes. Minha timidez me deixou também quieta e minha curiosidade desviava meu olhar para aquela morena misteriosa.
Ao chegar na porta de minha casa, as luzes estavam apagadas e a rua vazia. Agradeci pela carona e desci do taxi. Minha surpresa foi Luciana sair do carro e pedir para que o taxista a aguardasse com o carro ainda ligado.
- Ei, gata! Não pode ir embora sem se despedir direito. Vem cá. – A morena alta e atraente caminhou em minha direção com os braços abertos. Fiquei rubra de vergonha, mas retribuí.
- Muito obrigada pela noite mais louca da minha vida. E obrigada por me proteger do Edu. Nunca imaginaria que ele fosse capaz daquilo.
- Abre os olhos, menina. Infelizmente, o que sinto é que ele não é exceção. Homens falsos, egoístas e manipuladores, como ele, são a regra.
Ouvir tais palavras foi triste, mas sentir o hálito quente daquela deusa em meu ouvido e seu corpo envolvendo o meu amenizou todo o sofrimento. Na verdade, eu nem estava prestando tanta atenção em suas palavras.
Mas aquela noite louca tinha que terminar de uma forma inesperada. Após tanto afeto e carinho recebido de Luciana, a morena poderosa finalizou.
- Só tenho mais alguns conselhos para você, gata.
Luciana deu um passo para atrás enquanto eu perguntava qual era o conselho.
Tirando novamente o cigarro manchado de batom de sua bolsa, a morena o colocou na boca e o acendeu com o isqueiro finalmente encontrado, aumentando ainda mais o suspense e minha ansiedade para saber quais palavras mais viriam daquela boca carnuda e vermelha, que tanto me hipnotizava.
Luciana tirou o cigarro da boca e soltou um longo suspiro para expelir toda a fumaça e formar uma nuvem entre nós, o que aumentou ainda mais o ar misterioso.
- Conta logo!
Quando eu não me aguentei mais de curiosidade, uma mão espalmada surgiu por entre as nuvens formadas pela queima do tabaco e da nicotina, aterrissando em minha bochecha rosada.
- Que porra é essa?! Tá louca?! – Não sei se me assustei mais pela ação violenta inesperada após tanto carinho, pela dor ou pelo barulho alto do estalo que o tapa fez.
Luciana tragava mais uma vez tranquilamente seu cigarro enquanto eu não sabia se chorava, se tentava revidar ou se saía correndo daquela mulher desiquilibrada.
Revidar não era a melhor opção. Ela era muito maior e mais forte do que eu. Então, fiz aquilo em que sou melhor, chorei de ódio e dor.
Ao invés de me acolher novamente e me consolar, ou simplesmente continuar me batendo, a morena continuou inabalável em sua frieza. Após uma última tragada para finalizar o cigarro, Ela o arremessou longe e apontou seu dedo em meu rosto coberto de lágrimas.
- Isso é para você aprender a NUNCA MAIS confiar em ninguém! NUNCA MAIS se entregue a um cara que você mal conhece ou cujo passado o condene. Se ele é um tranqueira, nem você, nem ninguém vai consertá-lo. – O tom de voz tranquilo e dissimulado de Luciana havia se transformado naquele momento. Ela estava agressiva e irritada comigo.
Todo meu sentimento de ódio se transformou em vergonha. Baixei meu olhar e continuei ouvindo calada.
- NUNCA MAIS tome bebida oferecida por estranhos. Ela pode ter alguma droga para te dopar e te deixar vulnerável para fazerem o que quiserem com seu corpo. E eu não estou falando só do coquetel que aquele grupo de playboyzinhos mandou pra gente. Estou falando também das bebidas que o Edu e eu demos a você hoje.
Eu me sentia uma criancinha ingênua. Finalmente, o último e mais importante conselho.
- E NUNCA, JAMAIS, entre em um taxi ou em um carro com um estranho e muito menos dê seu endereço para ele assim! – A garota revoltada abria os braços expressando sua indignação, enquanto apontava para minha casa.
Eu apenas balancei a cabeça de forma afirmativa e completamente envergonhada.
- Estamos entendidas?
- Sim.
- Ótimo! – A morena transtornada, após me agredir física e verbalmente, voltou a me abraçar carinhosamente, dando um beijo em minha testa. – Então, boa noite. Se quiser, me liga para batermos mais uns papos. Apesar de sonsinha, gostei de você.
Enquanto eu pegava o papel com o telefone de Luciana, a morena se virou sem esperar reação minha, entrou no taxi e partiu.
Guardei bem aquele papel amassado e, mais tarde, em meu espelho, vi a marca dos dedos de Luciana em minha face e de sua boca em minha testa. Acariciei o ardor de minha bochecha com um sorriso largo em minha boca.
- Ela gosta de mim!
Se posso chamar esse meu quarto encontro de louco, inesperado, aventureiro e fantástico, acredito que o quinto seria o encontro mágico. Mas essa história ficará para um outro dia, pois hoje já tive emoções demais para compartilhar.
Esse conto é de autoria de W. T. O’Ya, autor do romance Lado A Lado B - Amsterdam


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